23 de mai. de 2013

DIENES E O MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA

Dienes e O Movimento da Matemática Moderna

Dienes foi nasceu na Hungria, fez os seus estudos primários e secundários na França, e
passou depois para a Inglaterra, onde Doutorou em Matemática e em Psicologia.
Ele estava profundamente interessado pelo estudo da formação de conceitos e os
processos do pensamento abstrato envolvendo principalmente o ensino da Matemática.
Tomou parte ativa nas reuniões de Royaumont e Dubrovnick, que desencadearam o
movimento de renovação dos programas de Matemática no ensino secundário. Porém Dienes
ultrapassa as recomendações e sugere caminhos para a renovação do ensino da Matemática
Logo nas primeiras idades escolares, e até nas pré-escolares.
Dienes não propôs uma mudança nos conteúdos dos programas de ensino, mas sim na
forma com que os professores os ensinavam para seus alunos, principalmente nas séries
elementares. Ele preocupava-se com o “como” o conteúdo era ministrado ao aluno.
A partir dessas idéias, não só de Dienes, mas também de Papy, o Movimento da
Matemática Moderna começa a ter uma nova visão onde esses trabalhos foram considerados
como solução para os exageros que se cometiam em nome desse Movimento, principalmente
nas séries iniciais.
Mas, como a divulgação do trabalho de Dienes contribui para a formação de professores
de ensino primário na época do Movimento da Matemática Moderna?
Segundo Chervell o sistema escolar é responsável pela formação dos indivíduos assim
como molda a cultura de uma sociedade e que essa influência pode ser estudada através de
livros, fitas, materiais escolares entre outros.
“(...) o sistema escolar é detentor de um poder criativo
insuficientemente valorizado(...) ele desempenha na sociedade um
papel o qual não se percebeu que era duplo: de fato ele forma não
somente os indivíduos, mas também uma cultura que vem por sua vez
penetrar, moldar , modificar a cultura da sociedade global. (...) A
disciplinas são modos de transmissão cultural que se dirige aos
alunos.(...) O estudo dos conteúdos benificia-se de uma documentação
abundante à base de cursos manuscritos, manuais e periódicos
pedagógicos. Verifica-se aí um fenômeno de “vulgata”, o que parece
comum às diferentes disciplinas(...) a descrição e análise dessavulgata são tarefa fundamental do historiador de uma disciplina
escolar(...)” (CHERVELL, História das disciplinas escolares:
reflexões sobre um campo de pesquisa, p. 184 – 186 e 203)
Ele ainda faz menção á questão das diferenças entre como é encarado a disciplina no
ensino primário e secundário e a disciplina no ensino superior. No ensino superior o ensino
transmite o saber, aliando suas práticas ás suas finalidade. Já no ensino primário e secundário,
ensina-se apenas o que o aluno deve saber.
Não podemos afirmar que um professor do ensino primário ministra várias disciplinas,
mas talvez, o que podemos afirmar é que um professor do ensino primário trabalha
apresentando vários conteúdos. E no caso da matemática o conteúdo em destaque é a
aritmética.
Dienes foi um matemático que nessa época se preocupava em como o ensino da
matemática era apresentado aos alunos do primário e quais as motivações eram utilizadas para
o ensino da mesma. E em visitas ao Brasil deixou uma grande quantidade de material, entre
eles, livros, fitas de vídeo, além de ter ministrados vários cursos em São Paulo e Rio Grande
do Sul. Esses tratavam do ensino da Matemática Moderna no Ensino Primário.
Como professores deveriam agir, perante a aprendizagem da Matemática? Como o
material “Blocos Lógicos” e o “ Multi-base” poderiam auxiliar no ensino da desta?
Esses materiais serão analisados em um primeiro momento como monumento que
segundo Le Goff (1992) qualquer fonte de pesquisa deve ser encarada como monumentos,
passando a se documento após análise de um pesquisador.
“O documento não é qualquer cousa que fica por conta do passado, é
um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de
forças que aí detinham o poder. Só a análise do documento enquanto
monumento permite à memória coletiva recuperá-lo e ao historiador
usá-lo cientificamente, isto é, com pleno conhecimento de causa.(...)a
história é o que transforma os documentos em monumentos e o que,
onde dantes se decifravam traços deixados pelos homens, onde dantes
se tentava reconhecer em negativo o que eles tinham sido, apresenta
agora uma massa de elementos que é preciso depois, isolar,
reagrupar, tornar pertinentes, colocar em relação, constituir um
conjunto.”(LE GOFF, 1992, p. 545 e 546)
Vamos investigar, nesse material como Dienes influencia o ensino primário nessa
época, e quais as contribuições na a formação de professores também de ensino primário na
época do Movimento da Matemática Moderna.Algumas descrições das idéias de Dienes
Na introdução de seu livro “A Matemática Moderna no Ensino Primário” que foi
traduzido em novembro de 1967, ele afirma que a aquisição de noções Matemáticas podem
ser decompostas em três etapas.
“1ª Numa primeira fase, preliminar, de tenteio, ensaiam-se, mais ou menos
ao acaso, reações às várias situações, tal como sucede na atividade
exploratória da criança. Esta fase pode ser orientada para a maturação, se
se escolherem situações em que a atividade lúdica se organize sob forma de
“jogos” de regras definidas; dela pode brotar uma consciência mais nítida
da direção em que se preparam as novas descobertas.
Vem depois, em geral, uma fase intermediária, mais estruturada;
dominam-se as regras que ligam os fatos (acontecimentos) entre si, “jogase” com esses regras; o pensamento torna-se mais consciente, mais
dirigido. Está em vias de chegar o “momento da descoberta”, momento em
que o esquema diretor surge, bruscamente, como um todo organizado.
À consumação da descoberta sucede um irresistível desejo de a explorar.
Essa exploração pode fazer-se de maneira “sábia”, analisando-lhe o
conteúdo: “que é que na realidade aprendemos?” – trata-se da via
analítica; ou então de maneira mais comezinha, buscando situações que a
nova descoberta permita dominar: é a via prática.”(DIENES,1967, p. 13 e
14).
Ele ainda afirma que a introdução de simbologia se faz necessário em alguns casos, mas
que “nas nossas aulas se abusa grosseiramente dos símbolos”.
Nas falas de Dienes podemos encontrar grande influência de Piaget, e de outros teóricos
que na época estavam preocupados com o processo de desenvolvimento lógico da criança.
Ele afirma que apóia-se nesses autores a fim de sugerir melhoramentos viáveis nas
técnicas de ensino no ensino primário.
Baseado nessa preocupação e nas experiências pessoais ele sugere através desse livro a
instrução primária coerente.
Nesse mesmo livro poderemos encontrar capítulos que tratam de: Conjuntos e operações
sobre conjuntos, atributos e operações lógicas, o número e a origem da sua notação, fase
estruturada: conceito de valor posicional. Adição e subtração, Aplicações praticas dos
agrupamentos. Sendo que em cada um deles, Dienes tem o cuidado de sugerir exemplos de
atividades.
Mais tarde escreve o livro “O poder da Matemática” e nele, ele afirma com relação ao
conteúdo matemático, que:
“Podemos elaborar mentalmente como encontrar nosso caminho a respeito
de estruturas matemáticas de um modo bem mecânica. Mas deve serpossível retornar aos primeiros princípios se for necessário: por exemplo,
se estivermos escolhendo nosso caminho através de um pântano traiçoeiro,
cada passo precisa ser cuidadosamente considerado, e a consciência de
nossa atividade no trabalho matemático deveria ocorrer toda vez que
começamos a pisar sobre um solo matemático não familiar, porque as
ciladas do pensamento matemático errôneo são muitas e nenhum conjunto
de regras será suficiente para todas elas. Para estar certo de que esse
aumento de consciência é possível sempre que necessário, o processo de
aprendizagem deve ser cuidadosamente planejado de forma que as crianças
aprendam os emaranhados matemáticos necessários tornando-se
conscientes deles por si mesmas”. (DIENES, 1973. p. 08 e 09)
Como já citamos, Dienes embasa seus trabalho nas idéias de Piaget, e essa influência se
torna mais evidente quando afirma que a criança aprende no seu tempo, nem antes ou depois
dele, e que quanto ao desenvolvimento cognitivo, não devemos subestimar a criança. Esta tem
a capacidade surpreender quando utilizamos da ação para o ensino de conteúdos matemáticos.
Ele ainda divide a aprendizagem em natural e artificial.
Aprendizagem natural é aquela em que a criança aprende conforme a sua necessidade,
ou seja, chorar quando tem fome, andar, falar, conceitos de conjunto, e outros.
Mas a criança necessita aprender certos conceitos de maneira artificial, ou seja, que
deve ser ensinada.
Ele afirma que a aprendizagem natural a priori é muito mais efetiva.
A criança brinca com objetos e os classifica em grupos, sem que isso seja ensinado, mas
isso não significa que o valor dessa classificação terá o mesmo valor para um adulto que
observa essa atividade.
Assim sendo, o estudo de métodos de como ocorre o processo de aprendizagem é pouco
aplicável para a mesma. Os estudos que são desenvolvidos em laboratórios de aprendizagem
não condizem com a realidade vivida.
Com essa aprendizagem artificial, passando por estudos que mais tarde ditam como
regras o ensino da matemática, ocorrem inevitavelmente as falhas nesse processo de
aprendizagem.“É como aprender a estrutura fonética e a ortografia de uma língua, e estar
apto a ler em voz alta qualquer coisa naquela língua, sem compreender o que se está
dizendo.”(DIENES,1973, p.20)
O pensar sobre o que aconteceu é uma maturidade apenas atingida na adolescência. Na
criança a construção deve preceder a análise, assim como deve haver materiais que
contribuam com essa construção. Esses materiais são os elementos básicos dos quais as
classes são construídas e as próprias classes, para só assim ocorrer a construção de classes de
ordem mais elevadas.(DIENES,p.20)Para Dienes, quando uma criança já esta familiarizada com algum material, como por
exemplo blocos, e essa ela percebe que para equilibrar um ou mais desses blocos, pelo vértice,
precisa de outros, então essa criança já construiu a idéia de “dois”, “três” e assim
sucessivamente.“ Se o material consistir em objetos que podem ser manipulados ou em
classes de objetos que já são abstrações. Uma criança de 2 ou 3 anos pode manipular o
conceito matemático de “dois” em situações práticas”(DIENES,1973,p.21)
A brincadeira presa a regras pode tomar três cursos: a estrutura torna-se mais um
método de classificação (prática) , ou poderíamos analisar e criticar como as regras funcionam
( análise retroativa) e por último poderíamos optar pelo manuseio da aprendizagem de regraestrutura ( análise progressiva - generalização).
Nesta última, ele considera que a generalização é uma extensão de uma classe com uma
estrutura conhecida para uma outra classe mais extensiva, da qual a estrutura prévia é apenas
um caso especial. Não podendo ser confundida com abstração, que é a formação de uma
classe diretamente de elementos.(DIENES,p.26)
Quando a abstração é conseguida, o aluno consegue classificar grande número de
situações, e quando a generalização é alcançada, exige-se um símbolo para fixar essa
compreensão da extensão a ser atingida.
Com relação às estruturas matemáticas ele classifica as situações em três categorias: as
irrelevantes a estrutura; as relevantes à estrutura que são exemplares e as que não são
exemplares das classes de situações descritas pela estrutura.
Dienes ainda nesse livro afirma que a prática educacional da época induzia a um
conformismo. Ele defende que devemos levar as crianças a práticas revolucionarias de ensino,
para podermos obter resultados também revolucionários. Em um sistema que embasa-se em
recompensa e punição a criança se sentirá desmotivada e desviadas do que elas estão fazendo
e para que fins elas o estão fazendo.
Essas crianças criadas nesse sistema se sentirão inseguras quando solicitadas que em um
jogo, por exemplo, manipulem as regras a fim de que se tornem o seu jogo.
O jogo matemático é uma ferramenta bastante útil à aprendizagem quando o aluno tem a
oportunidade de estar manuseando as regras, isto é, para Dienes a criança deve trabalhar
primeiro a estrutura, para depois partir para uma abstração.
Como já vimos existem fases da aprendizagem é necessária uma análise retroativa ou
progressista para uma melhor abstração. Essa análise retroativa conta com uma ferramenta
que Dienes chama de “estória matemática”, isto é, essa estória adaptar a criança atransformação-imagem, e que quando essas transformações acontecem com facilidade
poderão, então ser expressas por um sistema simbólico matemático.
Ele ainda afirma que o professor deve inventar estórias correspondentes e que essa
invenção torna fácil a tarefa de estudar as estruturas.
As pessoas muitas vezes não conseguem ou acham difícil manipular a simbologia
matemática por não saber o que estão manipulando.
“ A apreensão de estruturas e o processo de simbolização não são
inteiramente distintos, e de fato há razão para se acreditar que cada um age
como estímulo sobre o outro. Embora seja verdade que não podemos falar
significantemente sobre alguma coisa, isto é, simboliza-la, até que tenhamos
aprendido por experiência aquilo sobre que estamos falando, o fato de que
crescemos num ambiente social não pode ser
ignorado”(DIENES,1973,p.132)
Uma criança que convive com manipulações de imagens matemáticas ou com materiais
estruturados, como por exemplo, os jogos desenvolvem um simbolismo próprio. Se essa
criança depara-se com um professor que ignora esse tipo de estrutura, pode retardar o
processo de aprendizagem dessa mesma criança.
Mas também é verdade que existe a preocupação de Dienes por parte de que essa
criança pode aliar o simbolismo apenas á manipulação do material. Então cabe ao professor
estar preparado para que a criança alie o simbolismo desejado às estruturas matemáticas que
estão simbolizadas por ele.
Para Dienes o pensamento matemático é constituído de abstração e generalização.
Os conteúdos ensinados aos alunos precisam ter significado pois, senão, tornam-se um
amontoado de fórmulas que, sem condizer com a realidade, são memorizadas para uma
resolução de exercício sugerido pelo professor.
Quando propomos ao aluno do primário um novo conteúdo este deve ser feito de
maneira com que esse se consiga acomodá-lo para que mais tarde lance mão do mesmo na
resolução de outras situações.
Uma generalização não pode ser feita sem abstração, ou então encontraremos uma
grande resistência à simbolização.
“ O aspecto mais excitante dos símbolos para o matemático é sua função
criativa. Capacitando-o a armazenar uma enorme quantidade de
informações compactamente, os símbolos dão-lhe o tipo de material que a
tinta dá ao pintor, ou a pedra ao escultor. Através da manipulação judiciosa
pode formular questões excitante, assim como, resolver problemas que
outras pessoas não forma capazes de resolver. Pode transformar problemas
em problemas equivalentes, ou passar de um problema a problema
coligados que podem parecer mais interessantes.” (DIENES, 1973, p. 144)Cabe ao professor colocar as crianças em situações tais que possibilitem a criatividade
no uso de simbolismos matemáticos ocasionando também soluções criativas.
“ É desnecessário dizer que a matemática é imensamente mais ampla que os
olhares que demos a ela nessa páginas; mas mesmo a matemática que as
crianças em escolas podem entender, somente o serão se lhes forem dadas
oportunidades de explorá-la sob a orientação de professores simpáticos e
entusiastas.”(DIENES,1973, p. 174)
Até aqui, sob olhar de Dienes, percebemos a responsabilidade do professor no processo
de aprendizagem da matemática.
Dienes continua sua contribuição ao ensino da Matemática com uma coleção de três
livros titulada: “Primeiros passos em matemática”. Essa coleção era destinada a professores e
aonde no primeiro volume faz observações preliminares sobre a matemática e a criança,
partindo então para as idéias fundamentais de lógica e de jogos lógicos, sempre com exemplos
de situações. Já no segundo ele faz alusão a conjuntos, números e potências, novamente
trazendo ao professor-leitor exemplos de jogos para ensinar esses conteúdos. No terceiro e
último ele explora o espaço e jogos que conduzem ao aprendizado da geometria. Os jogos
apresentados nessa coleção utilizam o material didático “Blocos Lógicos”, idealizados pelo
autor.

Em 1967, ele escreve um livro resumindo o processo de aprendizagem matemática em
seis etapas.

“1º - Noção do meio: Nesta etapa o professor deve ter bem fixo o conceito
de aprendizagem como a capacidade de adaptação a um determinado meio.
Ë preciso criar um meio artificial, destinado à aprendizagem de um
conjunto qualquer de noções matemáticas”;
2 º - Regras do jogo: Inicia-se introduzindo vários jogos, cujas regras no
início são impostas, para mais tarde a criança criar suas próprias;
3º - Abstração: Sugere-se vários jogos semelhantes para que através das
regras da etapa acima (concreta) a criança realize abstração. Mas é
importante frisar que a criança ainda não tem condições de utilizar esta
abstração;
4º - Processo de representação: A criança fala do que abstraiu, na etapa
acima, examina outros jogos e consegue refletir sobre estes;
5º - Descrição da representação (linguagem): Cada criança cria sua
própria linguagem, criando axiomas, e mais tarde discute com o resto do
grupo qual a melhor linguagem a ser adotada;
6º - Regras do jogo de demonstração (Teoremas): Após concluir-se qual a
melhor linguagem adota-se como regra. Nesta etapa pode-se dizer que a
criança conseguiu atingir a noção lógica Matemática, formulou
teoremas.”(DIENES, 1972,capitulo 1)

Referência Bibliografia

DIENES, Z. G. O poder da Matemática. São Paulo: E. P. U. 1973.
___________.As seis etapas do processo de aprendizagem em matemática.São Paulo: E.
P. U. 1975.
___________.A Matemática Moderna no Ensino Primário. São Paulo. Editora Fundo de
Cultura S/A. 1967
GEEMPA, Grupo de estudos sobre o ensino da Matemática de Porto Alegre. Visão Geral das
atividades á III conferência Interamericana de Educação Matemática e aos associados do
GEEMPA.
GEERTZ. C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1989.
LATOUR,B. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenherios sociedade afora. São
Paulo: Editora UNESP, 2000
LE GOFF, J. História e Memória. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1992 ( p. 535 –
549)
SOARES, F. S. Movimento da Matemática Moderna: avanço ou retrocesso?. 192 f.
Dissertação (Mestrado em Matemática Aplicada) – Pontifícia Universidade católica do Rio de
Janeiro, RJ, 2001
WANDSWORTH, Barry J. Inteligência e afetividade da criança na teoria de Pi

21 de mai. de 2013

A CRIANÇA E O NÚMERO POR CONSTANCE kAMII.


A CRIANÇA E O NÚMERO POR CONSTANCE kAMII.

INTRODUÇÃO

 

As pesquisas de Piaget alteraram significativamente a prática de boa parte dos professores das séries iniciais, entretanto, uma compreensão equivocada desse teórico levou a um grande número de aplicações práticas inadequadas. Em seu livro - A criança e o número: Implicações Educacionais da Teoria de Piaget para a Atuação Junto a Escolares de 4 a 6 anos – Constance Kamii propõe-se a responder dúvidas referentes à aplicação da pesquisa e da teoria de Piaget no ensino do número. Quatro tópicos organizam o enfoque proposto pela autora: “1) A natureza do número. 2) Objetivos para ‘ensinar’ número. 3) Princípios de ensino. 4) Situações escolares que o professor pode usar para ‘ensinar’ número.” (p.8)

Numa breve revisão sobre a prova da conservação, a autora esclarece que as crianças de quatro anos tendem a acreditar que uma determinada quantidade de objetos se altera em função da disposição destes numa superfície. Por exemplo, se uma professora coloca oito pedaços de isopor enfileirados e entrega outros oito pedaços para a criança enfileirar, a tendência é que a criança os disponha de forma mais espaçada e que, por causa desse espaçamento, acredite ter enfileirado mais pedaços de isopor que a professora. Isso significa que a criança ainda não conserva quantidades, entretanto, não significa que a professora deve “ensiná-la” a conservar fazendo, por exemplo, a correspondência um a um.

1)      A NATUREZA DO NÚMERO

Para Piaget, os conhecimentos diferenciam-se, considerando suas fontes básicas e o modo de estruturação, em três tipos: conhecimento físico, lógico-matemático e social (convencional). O conhecimento físico e o social são parcialmente externos ao indivíduo enquanto que a fonte do conhecimento lógico-matemático é interna.

O conhecimento físico é o conhecimento dos objetos da realidade externa: são as propriedades físicas que podem ser conhecidas pela observação. Entretanto, a relação entre as propriedades físicas de dois objetos é construída a partir do conhecimento lógico-matemático. É também o pensamento lógico-matemático que atua quando analisamos numericamente os objetos, estabelecendo relações de igual, diferente, mais etc. Assim “ número é uma relação criada mentalmente por cada indivíduo.” (p.15)

Segundo Piaget, existem dois tipos de abstração: a empírica (ou simples) que consiste em focalizar uma certa propriedade do objeto e ignorar as outras; e a abstração reflexiva que envolve a construção de relações entre os objetos. Por não ter existência na realidade externa, a abstração reflexiva é uma construção realizada pela mente. A abstração reflexiva é usada para construir o conceito de número. Entretanto, esses dois tipos de abstração são interdependentes: “a criança não poderia construir a relação ‘diferente’ se não pudesse observar propriedades de diferença entre os objetos” (p.17), por outro lado, para perceber que um certo peixe é vermelho(abstração empírica), ela necessita possuir um esquema classificatório para distinguir o vermelho de todas as outras cores.

Assim, número é, de acordo com Piaget, “uma síntese de dois tipos de relações que a criança elabora entre os objetos (por abstração reflexiva). Uma é a ordem e a outro é a inclusão hierárquica.” (p.19) A ordem é importante para assegurar que não deixamos nenhum objeto sem contar, ou que não contamos um mesmo objeto duas vezes. A inclusão hierárquica diz respeito à capacidade de compreender que um está contido em dois, dois está contido em três, e assim sucessivamente.

Se perguntarmos, por exemplo, a uma criança de quatro anos se existem mais animais ou vacas no mundo. Elas terão dificuldades em responder porque o seu pensamento ainda não é flexível o suficiente para ser reversível. A reversibilidade diz respeito à habilidade de realizar mentalmente operações opostas. No exemplo acima, a criança não consegue cortar o todo ‘animais’ em partes e as reunir mentalmente.

Assim sendo, a teoria de Piaget contradiz o pressuposto comum de que os conceitos numéricos podem ser ensinados pela transmissão social. As palavras um, dois, três... São exemplos de conhecimento social, contudo, os conceitos numéricos não são adquiridos através da linguagem. Por outro lado, número também não é alguma coisa conhecida inatamente, por intuição. Assim, a estrutura lógico-matemática do número é construída através da criação e coordenação de relações e não pode ser ensinada diretamente porque a criança tem que construí-la por si mesma.

2)      OBJETIVOS PARA “ENSINAR” NÚMERO

Para que se possa extrair implicações pedagógicas dos temas tratados no 1º capítulo é preciso compreender o contexto global da obra de Piaget. Sendo o conceito de número uma construção interna de relações, é preciso estimular, nas crianças, a autonomia para estabelecer entre os objetos, fatos e situações todos os tipos possíveis de relação.

Aliás, para Piaget, o desenvolvimento da autonomia deve estar no centro de qualquer proposta educativa. Autonomia é o ato de ser governado por si próprio, o oposto de heteronomia que significa ser governado por outra pessoa. É muito importante destacar que a autonomia é indissociavelmente social, moral e intelectual.

Assim, o conceito de número não pode ser “ensinado” às crianças pela via da apresentação e repetição desse conceito pelo professor. É preciso que as crianças construam estruturas mentais para abarcar esse conceito e a melhor forma de fazer isso é estimulando-as a colocar todas as coisas em todos os tipos de relações.

3)      PRINCÍPIOS DE ENSINO

 

a)      A criação de todos os tipos de relações.

O educador deve encorajar a criança a estar alerta e colocar todos os tipos de objetos, eventos e ações em todas as espécies de relações possíveis.

 

b)      A quantificação de objetos.

                                I.            O educador deve encorajar as crianças a pensarem sobre número e quantidades de objetos em situações que sejam significativas para elas, ou seja, as crianças devem pensar sobre quantidade sempre que sentirem necessidade e interesse.

                              II.            O educador deve encorajar a criança a quantificar objetos logicamente e a comparar conjuntos (em vez de encorajá-las a contar). O educador pode, por exemplo, pedir a uma criança que apanhe guardanapos ou copos suficientes para todas as crianças de uma mesa, em vez de dizer-lhe para apanhar uma quantidade definida de objetos.

                            III.            O educador deve encorajar a criança a fazer conjuntos com objetos móveis. Folhas de exercícios com desenhos não são apropriadas para ensinar o número elementar, pois pode conduzir à resposta certa pela maneira errada. O ideal é que a criança trabalhe com objetos móveis.

 

c)       Interação social com os colegas e os professores.

                                I.            O educador deve encorajar a criança a trocar ideias com seus colegas. Através da troca de ideias e do questionamento entre colegas, as crianças podem chegar à resposta certa sem a correção feita pelo professor.

                              II.            O educador deve imaginar como é que a criança está pensando e intervir de acordo com o que parece estar sucedendo em sua cabeça. Mais do que corrigir a resposta dada pela criança, o professor deve tentar reconstituir o seu raciocínio para entender a base do “erro”.  Por exemplo, se uma criança está distribuindo xícaras e falta uma, pode ser que ela tenha esquecido de contar a si própria. Nesse caso, o professor pode perguntar casualmente: “você contou a si mesmo?”

 

4)      SITUAÇÕES ESCOLARES QUE O PROFESSOR PODE USAR PARA “ENSINAR” NÚMERO

A autora apresenta, neste capítulo, exemplos de atividades que focalizam a quantificação.

a)      VIDA DIÁRIA

Durante a sua rotina cotidiana, a professora pode transferir algumas responsabilidades para as crianças, por exemplo:

 

                                I.            A distribuição de materiais

Pedir às crianças que tragam o número suficiente de xícaras para todos à mesa.

 

                              II.            A divisão de objetos

Na hora do lanche, a professora pode dar uma certa quantidade de bolachinhas a uma criança e pedir que ela as distribua entre os colegas, encorajando o grupo a trocar ideias sobre a execução da tarefa.

 

                            III.            A coleta de coisas

A coleta de bilhetes de permissão assinados pelos pais é uma oportunidade natural de ensinar a composição aditiva do número. A professora poderá propor as seguintes questões: “quantas crianças trouxeram seus bilhetes hoje?” “quantas trouxeram ontem?” etc.

 

                            IV.            Manutenção de quadros de registros

A professora pode providenciar um quadro para registrar o número de alunos presentes e ausentes.

 

                              V.            Arrumação da sala

A professora pode sugerir que cada criança guarde 3 coisas, se houver um momento para limpeza e arrumação da sala.

 

                            VI.            Votação

Essa prática é importante para ensinar a comparação de quantidades, além de favorecer a autonomia, uma vez que atribui poder de decisão às próprias crianças.

 

 

b)      JOGOS EM GRUPO

 

                                I.            Jogos com alvos

Bolinhas de gude e boliche são bons para a contagem de objetos e a comparação de quantidades.

 

                              II.            Jogos de esconder

O jogo de esconder laranjas é excelente para trabalhar a divisão de conjunto, adição e subtração. Funciona da seguinte forma: A professora esconde cinco laranjas em lugares diferentes e as crianças vão procurá-las. Durante a brincadeira, quando as crianças já tiverem encontrado algumas laranjas, a professora pode perguntar quantas ainda faltam para serem encontradas.

 

                            III.            Corridas e brincadeiras de pegar

A dança das cadeiras é uma excelente oportunidade para as crianças compararem quantidade. A preparação do jogo é a parte mais importante. A professora deve deixar que as próprias crianças arrumem as cadeiras e decidam como querem jogar – com o mesmo número de cadeiras e de crianças, ou com uma cadeira a menos.

 

                            IV.            Jogo de adivinhação

Uma criança pega uma carta (entre 10 cartas numeradas) e as outras tentam adivinhar qual foi o número retirado. A criança que tem a carta nas mãos responde a cada tentativa dizendo: “não, é mais” “não, é menos” “sim”.

 

                              V.            Jogos de tabuleiros

Uma série de jogos de tabuleiros, daqueles em que se joga um dado e se avança o número de casas sorteados, como o “Lero-Lero! Cereja – 0” pode ser utilizado para construir o conceito de número.

 

                            VI.            Jogos de Baralho

Jogos de baralho como “Memória” “Batalha” e “Cincos” são excelentes para o desenvolvimento do pensamento lógico e numérico.

 

APÊNDICE

A autonomia como finalidade da Educação: implicações da Teoria de Piaget.

Neste apêndice, a autora faz uma revisão do livro: O julgamento Moral da Criança de Piaget, publicado em 1932. Começa estabelecendo a diferença entre autonomia que significa ser governado por si mesmo e heteronomia que é ser governado por outra pessoa. Cita um exemplo extremo da moralidade da autonomia: Elliott Richardson, personagem de Watergate, que foi a única pessoa do gabinete do Presidente Nixon que se recusou a mentir, a pedido do seu superior, pedindo demissão.

A AUTONOMIA MORAL

Todos os seres humanos nascem heterônimos e vão se tornando, progressivamente, mais autônomos. Entretanto, boa parte das pessoas não desenvolve a autonomia de forma ideal. A questão é que grande parte dos adultos reforçam a heteronomia natural das crianças através de recompensas e castigos, quando deveriam estimular o desenvolvimento da autonomia trocando pontos de vistas com os pequenos.

Segundo Kamii, a punição acarreta três tipos de consequências:

1)      Cálculo de riscos → a criança repetirá o mesmo ato que ocasionou a punição, só que dessa vez tomará cuidado para não ser descoberta. Ou pode decidir que, mesmo sendo descoberta, o prazer de cometer o ato infracionário compensa a punição.

2)      Conformidade cega → as crianças decidem que é melhor obedecer os adultos sempre para garantir a sua segurança e respeitabilidade.

3)      Revolta → Algumas crianças, que antes se comportavam bem, decidem parar de obedecer e começar a viver por si próprias. Contudo, existe uma grande diferença entre autonomia e revolta. O não-conformismo ou a revolta não tornam, necessariamente, a pessoa mais autônoma.

As recompensas também reforçam a heteronomia.

Para que as crianças desenvolvam a autonomia moral, os adultos devem incentivá-las a construir por si próprias, os seus valores morais. Entretanto, é preciso ser realista, não há como evitar totalmente as punições. É possível, porém trocar as punições pelo que Piaget chamou de sanções por reciprocidade.

As sanções por reciprocidade são aquelas que estão diretamente relacionadas com o ato infracional. Kamii aborda quatro exemplos de sanção por reciprocidade:

1)      Exclusão temporária ou permanente do grupo. → Quando uma criança perturba a leitura de uma história, por exemplo, a professora pode dizer. – “Você pode ficar aqui sem nos aborrecer, ou terei que lhe pedir que vá para o canto dos livros ler sozinha.”

2)      Apelar para a consequência direta e material do ato. → A criança que conta uma mentira pode ser confrontada com o fato de que as pessoas podem não acreditar mais nelas.

3)      Privar a criança de uma coisa que ela usou mal. → A criança que usa mal um brinquedo pode ser impedida de usá-lo até que aprenda a utilizá-lo corretamente.

4)      Reparação → A criança que estraga um trabalho de um colega pode ser convidada a ajudar a consertá-lo.

Contudo, para que essas sanções por reciprocidade não se transformem em punição, é preciso que haja uma relação de afeto e respeito mútuo entre a criança e o adulto.

Para finalizar, a autora destaca que os valores morais não são internalizados ou absorvidos de fora para dentro, mas construídos interiormente, através da interação da criança com o meio.

A AUTONOMIA INTELECTUAL

Uma pessoa intelectualmente autônoma necessita estar realmente convencida do seu erro para aceitar a correção de outras pessoas, enquanto as heterônomas acreditam em tudo o que lhe dizem, sem questionar.

A criança não adquire conhecimentos internalizando-os diretamente do seu meio ambiente. Em vez disso, as crianças constroem o conhecimento criando e coordenando relações entre objetos, fatos, etc.

Se o professor simplesmente marca como erro uma resposta do tipo “4 + 2 = 5”, sem tentar reconstituir o raciocínio da criança e convencê-la do seu erro, a tendência é que essa criança acredite que a verdade advém somente da cabeça do professor.

“Quando uma criança diz que 4 + 2 = 5, a melhor forma de reagir, ao invés de corrigi-la é perguntar-lhe – ‘Como foi que você conseguiu 5?’ As crianças corrigem-se frequentemente de modo autônomo, à medida em que tentam explicar seu raciocínio a uma outra pessoa. Pois a criança que tenta explicar seu raciocínio tem que descentrar para apresentar a seu interlocutor um argumento que tenha sentido. Assim, ao tentar coordenar seu ponto de vista com o do outro, frequentemente ela se dá conta do seu próprio erro.” (p.115)

 

Assim, ao transferir o foco do pensamento pedagógico daquilo que os professores ensinam para como as crianças aprendem, Piaget sugere uma revolução Copernicana na educação. Assim, os docentes precisam rever os seus objetivos colocando a construção da autonomia como finalidade maior da educação.

 


 
 

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